Julho de 2024 – Vol. 29 – Nº 7
FURINI, Luana Aparecida Albrecht 1;
BRITO, Aline Joana Costa 1;
ARAÚJO, Anna Clara Silva 1;
MARAN, Carine Silvério 1;
FROES, Emily Gonzaga 1;
NERI, Gabriel Rodrigues 1;
REPISO, Nathalia Ayani dos Anjos 1;
SANTOS, Humberto Müller Martins dos 2;
1 Acadêmico de Medicina no Centro Universitário Maurício de Nassau, UNINASSAU, Cacoal-RO.
2 Médico Psiquiatra, docente titular da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina no Centro Universitário Maurício de Nassau, UNINASSAU, Cacoal-RO.
RESUMO
Introdução: O presente artigo tem como objetivo uma análise sobre a saúde mental materna perinatal e seus impactos na saúde da criança, pois tem sido considerada um fator que causa profundas implicações e compromete a saúde pública em nível global. Metodologia: Foi realizada uma revisão da literatura, com análise de estudos disponíveis na base de dados da Pubmed, utilizando os seguintes descritores: Maternal health, Mental disorders e Child health. No processo de triagem foram selecionados 12 artigos. Discussão: Os resultados apontaram que o campo de estudo é amplo e complexo. Pesquisadores se concentraram nos estudos sobre a associação entre a depressão materna e o apego do bebê, visto que há um elo entre mãe-bebê e o sofrimento ocasionado por depressão e ansiedade pré-natal, o que está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da criança. Não houve uma concordância em estudos que analisaram o uso de antipsicóticos e inibidores seletivos da recaptação de serotonina durante a gravidez. Conclusão: Deste modo, conclui-se que é extremamente relevante um diagnóstico precoce da depressão materna a fim de propiciar um ambiente de bem-estar tanto para a mãe quanto para a criança. Para o uso de medicação, torna-se necessária uma avaliação precisa a respeito dos benefícios e riscos para minimizar os impactos negativos no desenvolvimento da criança, sendo avaliado todo o contexto sociocultural no qual a grávida está inserida, visto que há muitas influências que afetam a saúde da mãe e da criança. Sendo esta uma questão de saúde pública é imprescindível que haja investimentos em estudos relacionados à temática proposta.
Palavras-chave: Desenvolvimento infantil; Saúde da criança; Saúde materna; Saúde mental.
INTRODUÇÃO
O sofrimento psicológico materno durante a gestação, como: a depressão, a ansiedade e demais estresses, são capazes de prejudicar o vínculo entre a mãe e o seu bebê no período do pós-parto, podendo persistir até 12 meses. Além disso, resultados infantis de tal diminuição de vínculo, incluem: “Apego menos seguro, temperamento difícil, índices mais elevados de cólicas e humor infantil menos positivo” (Le Bas et al., 2020).
Ademais, o tratamento contra as doenças mentais dependem de um manejo clínico desafiador pois envolve riscos maternos e fetais, necessitando uma análise minuciosa de risco-benefício. Os agentes farmacológicos dos psicotrópicos tem a aptidão de atravessar a barreira placentária em diferentes níveis, assim, ocorre uma exposição fetal. Por conseguinte, gestantes com doenças psiquiátricas, necessitam de uma terapêutica individualizada, com análise minuciosa entre risco-benefício, cuidados multidisciplinares durante o perinatal, além da necessidade de haverem mais pesquisas sobre este assunto para assegurar informações (Creeley; Denton., 2019).
A saúde mental é um coeficiente responsável pelo comprometimento da saúde pública a nível mundial. Deste modo, se tornam indispensáveis estudos a respeito dos transtornos mentais no período perinatal, por se tratarem de numerosos casos e por compreenderem uma pluralidade de consequências na qualidade de vida materno-infantil. Portanto, além de ser uma condição incapacitante, também relacionada com impactos inerentes ao desenvolvimento e à saúde infantil (Tol WA et al., 2020).
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura realizada por meio da análise de estudos disponíveis na base de dados Pubmed. A estratégia de busca foi delimitada com a utilização dos descritores “Maternal health”, “Mental disorders” e “Child health”, combinados com o operador booleano AND. Os tipos de estudos incluídos na pesquisa consistiram em metanálises, ensaios clínicos, testes controlados e aleatórios e revisões sistemáticas, com data de publicação limitada aos últimos cinco anos.
O processo de busca inicial resultou em um total de 441 resultados. No entanto, uma etapa crítica de análise foi conduzida, excluindo artigos científicos pagos e aqueles que não abordaram as repercussões da saúde mental materna na sua prole. Dessa forma, foram selecionados os estudos mais pertinentes, totalizando 12 artigos para compor essa pesquisa.
DISCUSSÃO
SLIWERSKI et al. (2020) Relaciona a depressão materna e a segurança de apego do bebê, além disso ressalta que para identificação de depressão materna é preciso que seja feito uma entrevista clínica e não um questionário de autorrelato. Contudo, é necessário que essa identificação seja feita principalmente no início, pois são os primeiros seis meses pós parto, que impactam o apego da criança. Paralelo a essa temática, O’DEA et al. (2023) enfatizou a associação entre o vínculo mãe-bebê e o sofrimento materno, na qual um vínculo prejudicado, principalmente em mães com histórico de depressão e ansiedade pré-natal, prediz maiores problemas para o bebê. Por fim, segundo FRANKHAM, THORSTEINSSON e BARTIK (2023) o transtorno do estresse pós-traumático também pode afetar esse vínculo, pois o estresse traumático decorrente do nascimento dessa criança afeta posteriormente a relação entre ambos.
No que diz respeito as intervenções na saúde mental materna GREENE et al. (2020) relatou que foi percebido por meio de estudos observacionais, a relação entre saúde mental materna (SMM) e o desenvolvimento infantil. Isso foi feito através de ensaios clínicos randomizados realizados em países de renda baixa a média, que receberam intervenções pontuais e inclusão de visitas em domicílio, feitas por profissionais da saúde. Quanto aos resultados, as meta-análises não identificaram os benefícios das intervenções para resultados cognitivos e outros resultados relacionados ao crescimento infantil, devido às limitações metodológicas no estudo, sendo necessário ensaios mais rigorosos. Já, HARRIS e SANTOS JR (2020), destacam a depressão em mães latinas e os estressores socioculturais, econômicos e pobreza como determinantes nos resultados socioemocionais das crianças.Acerca do uso de antipsicóticos durante a gravidez, um estudo de coorte STRAUB et al. (2022) avaliou o risco de distúrbios do neurodesenvolvimento (NDD). Esse estudo pontua a prevalência da ocorrência de maior número de NDD em crianças que foram expostas a antipsicóticos. Ademais, o artigo cita um estudo não randomizado, em que o principal empecilho é a confusão, pois há fatores difíceis de serem avaliados em dados secundários, a despeito disso, a genética, parentalidade e ambiente familiar inserido. Contudo, os benefícios do tratamento com antipsicóticos para grávidas com doenças mentais graves continuam sendo válidos, e este estudo de coorte não aponta que os antipsicóticos possam aumentar a chance de NDD, após inclusão do viés de confusão.
Com relação aos inibidores seletivos da recaptação de serotonina ISRS, segundo VAN DER VERE et al. (2020) seu uso foi associado a um pior desenvolvimento cognitivo e motor grosso. Evidenciou-se que crianças expostas intraútero apresentaram o neurodesenvolvimento alterado, o que levanta questionamento sobre o uso de ISRS na gestação, visto que apenas 40% das mães apresentaram melhoras. Outrossim, o não uso da medicação e tratamento também afeta o desenvolvimento cognitivo da criança, sendo necessário avaliar a eficácia do tratamento e alternativas, como a terapia cognitivo comportamental. Quanto a isso, BLEKER et.al. (2019) aponta os achados da ressonância magnética cerebral em crianças, após o tratamento de depressão materna pré-natal, através da terapia cognitivo comportamental TCC. Esse estudo chegou à conclusão de que houve melhoramento dos resultados micro estruturais do cérebro das crianças, geradas por mães que apresentaram melhora da depressão, através da TCC, durante a gravidez.
HAMMOND et al. (2017) utilizaram de registros administrativos vinculados para detectar a prevalência dos transtornos de saúde mental materna documentados ao nascimento, e assim correlacionar a posterior probabilidade de maus tratos durante a infância. Em síntese, o presente artigo chegou à conclusão de que bebês nascidos de mães com transtornos psicóticos ou transtorno de uso de substâncias, tem alta probabilidade de dar entrada no serviço de proteção à criança. Segundo ZHANMEI et al. (2022) há uma relação entre o comportamento problemático em crianças pré-escolares e a ansiedade materna, e quanto mais expostas essas crianças forem a ansiedade da mãe, mais comportamentos estressores passam a apresentar. Por fim, a meta-análise TIRUMALARAJU et al. (2020) apontou o aumento dos riscos de depressão, em filhos adolescentes e adultos, que tiveram mães com depressão perinatal. O estudo reforça a necessidade de comunicar os benefícios e riscos da introdução da medicação e psicoterapia, com o intuito de prevenir ou mitigar os impactos negativos no desenvolvimento infantil, visto as consequências da depressão perinatal para a saúde pública.
CONCLUSÃO
Tendo em vista os aspectos observados, neste estudo é destacado diversos âmbitos da saúde materna e o adequado desenvolvimento da criança que são impactados quando trata-se de assuntos cruciais que circundam a saúde mental materna, como ocorrência de sofrimento psicológico durante a gestação com possíveis diagnósticos de depressão, ansiedade e outros. Diante disso, fica evidente um nexo de causalidade entre saúde mental materna e o desenvolvimento socioemocional das crianças e possíveis problemas de saúde que podem vim a acontecer em tempos futuros. De acordo com o estudo realizado por SLIWERSKI et al. (2020) tem-se a necessidade do diagnóstico precoce da depressão materna para que se torne possível a promoção de um ambiente adequado para o desenvolvimento infantil e bem estar integral da mãe e da criança, tal qual o bom desenvolvimento do apego ao bebê de forma segura. Nesse cenário, vale ressaltar que além de assegurar o desenvolvimento e bem estar materno e infantil ,a partir do mantimento da saúde mental, é necessário intervenções que abordem determinantes sociais, econômicos e culturais como fatores necessários para o adequado mantimento da criança e da mãe.
Ademais, outro ponto colocado em análise foi a relação de medicamentos prescritos durante a gravidez, como antipsicóticos e ISRS, e os possíveis riscos e benefícios que essa utilização pode desencadear na mãe e bebê. Em relação a isso, os estudos não estiveram todos em concordância, enquanto alguns estudos revelam distúrbios no neurodesenvolvimento da criança que foram expostos a esses fármacos durante a gravidez, como o de STRAUB et al. (2022), outros, como o BLEKER et.al. (2019), revelaram benefícios quando realizaram intervenções psicoterapêuticas na melhoria do neurodesenvolvimento infantil.
Por fim, compreende-se que existe uma complexidade ao tratar-se desse tema e a existência de uma interconexão entre saúde mental materna e desenvolvimento infantil. Por isso, se tornam necessárias abordagens baseadas em evidências que avaliem não apenas os aspectos clínicos, mas os contextos socioculturais e familiares que reverberam na saúde e no bem-estar de mães e crianças. Tornando assim a relevância de investimentos na saúde mental materna para melhoria significativa na saúde futura das gerações, e este presente estudo aborda de forma a contribuir para essa importante discussão científica e prática.
REFERÊNCIAS
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CREELEY, C.; DENTON, L. Use of prescribed psychotropics during pregnancy: A systematic review of pregnancy, neonatal, and childhood outcomes. Brain Sciences, v. 9, n. 9, p. 235, 14 set. 2019.
FRANKHAM, L. J.; THORSTEINSSON, E. B.; BARTIK, W. Birth related PTSD and its association with the mother-infant relationship: A meta-analysis. Sexual & Reproductive Healthcare, v. 38, p. 100920, 1 dez. 2023.
HAMMOND, I. et al. Maternal Mental Health Disorders and Reports to Child Protective Services: A Birth Cohort Study. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 14, n. 11, p. 1320, 30 out. 2017.
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