Agosto de 2024 – Vol. 29 – Nº 8
Sérgio Telles
1) Comentário sobre um dos últimos livros de Adam Phillips,
analista inglês autor de muitas outras obras. Em “Sobre
desistir”, Phillips procura mostrar os equívocos presentes na
convicção bastante difundida de que a desistência é sinal de
fracasso. É necessário pensar que a desistência é antecedida
por uma escolha afirmativa. Escolhe-se fazer algo e, num
segundo momento, se desiste de realizá-lo. Ambas as escolhas
não são regidas pela consciência, responde a desejos
inconscientes. Consequentemente. a desistência pode ser um
ato saudável de aceitação de limites e abandono de pretensões
onipotentes. Para mostrar a complexidade da questão e a
impossibilidade de generalizações, Phillips lembra dos que
“desistem” de viver, os suicidas. Como sabemos, tal desistência
é sobre determinada por complexas conflitos inconscientes.
Freud explica, Kafka complica – Quatro cinco um
2) Duas resenhas do livro “On the couch”, em que 25 prestigiados
escritores norte-americano escrevem sobre Freud e a
psicanálise, muitos deles relatando suas experiências pessoais
com o divã e o universo freudiano. O livro pode ser visto como
mais uma prova do resgate da obra de Freud e de seu retorno
ao mundo da cultura e da ciência nos Estados Unidos.
Freud the Irrepressible | Commonwealth Magazine
3) Três obituários de Frederick Crews, intelectual de relevo que,
durante anos, foi um dos mais ferrenhos inimigos da psicanálise
nos Estados Unidos, tendo escrito vários livros a respeito e se
tornado um dos mais importantes participantes das “Freud
wars” e do “Freud bashing”, movimentos culturais que forçaram
o ostracismo em que a psicanálise foi relegada naquele país e
do qual está paulatinamente saindo.
Frederick Crews, literary critic and steely Freud skeptic, dies at
91 – The Washington Post
Frederick Crews, Withering Critic of Freud’s Legacy, Dies at 91 –
The New York Times (nytimes.com)
Frederick Crews obituary | Books | The Guardian
4) Uma interessante entrevista com uma psicóloga australiana que
trabalha há anos na China, onde fala do “psicoboom” (a
explosão das questões psíquicas, em tradução livre), que
ocorreu naquele país nas últimas décadas. Diz ela: “Durante os
anos de Mao Tsé Tung, de 1949 até, pelo menos, 1966, a
psicologia era considerada algo burguês, algo ocidental. Foi
completamente erradicada durante a Revolução Cultural porque
a expressão de qualquer tipo de sofrimento psíquico era vista
como um problema político. Foi somente na década de 1980,
depois que Deng Xaioping abriu a economia, que a psicologia
voltou e a literatura sobre o assunto começou a ser traduzida
para o mandarim, embora em 1995 as pessoas ainda
estivessem muito hesitantes em falar sobre sofrimento mental,
mesmo com as pessoas mais próximas”.
5) Resenha da biografia de Frantz Fanon “The Rebel´s Clinic: The
Revolucionary Lives of Frantz Fanon”, de Adam Shatz (Farrar,
Straus and Giroux, 2024). Como afirma o autor do texto, Shatz
é um dos grandes ensaistas norte-americanos na atualidade,
escrevendo para publicações de prestígio no mundo anglófono.
A imagem que Schatz constrói de Fanon é rica e complexa,
mostrando-o como importante crítico do colonialismo e do
racismo, e não apenas um suposto apologista da violência
revolucionária, como pensam alguns.
As muitas vidas de Frantz Fanon – Outras Palavras
6) Resenha do último livro de Slavoj Zizek, “Christian Atheism –
How to be a real materialist”. O título provocante do livro,
afirmando que para ser um verdadeiro materialista é necessário
praticar um “ateísmo cristão”, estimula a curiosidade em seguir
o pensamento de Zizek nisso que o autor do texto chama de
“teologia psicanalítica”. Mas não se pense que suas originais
interpretações sobre a morte de Cristo e a natureza do Espírito
Santo tenham qualquer conotação religiosa convencional.
Christian Atheism – review | LSE Review of Books
7) As notícias merecem atenção por mostrarem a expansão de
instituições que se propõem a formar psicanalistas. Uma delas
se localiza na cidade de Rolândia (Paraná) e se intitula
FACULDADE DA ALMA. Ela acaba de formar 40 psicanalistas,
com direito a tudo a que têm direito – festa, foto, beca,
comemorações. A instituição, criada por Eliane Cunha, forma
através de cursos presenciais e on line interessados do Brasil e
do exterior – sic. Diz a matéria: “Com sede na cidade de
Rolândia, a Faculdade da Alma é reconhecida por oferecer o
curso mais completo de Formação em Psicanálise Clínica no
Brasil. Além da base robusta, proporciona todo o suporte
necessário para que o aluno se autorize como Psicanalista e
esteja apto a realizar atendimentos clínicos”.
A outra instituição se chama Instituto Somata, e afirma:
“Diante desse cenário de crescente busca por formação
profissional em psicanálise, o Instituto Somata tem se
destacado exponencialmente das demais escolas. Reconhecido
como a maior escola de psicanálise do Brasil, o Instituto oferece
uma educação de alta qualidade, destacando-se não apenas no
cenário nacional, mas também internacionalmente.
Recentemente, o Instituto Somata foi reconhecido pelo
Conselho Internacional de Psicanálise (INPSYCO) como a mais
bem avaliada escola de psicanálise do Brasil”. (Os grifos são
desse autor).
Faculdade da Alma forma mais 40 novos psicanalistas – Um
Jornal Regional
Cresce a Busca por Psicanálise no Brasil e Instituto Somata se
Destaca como Maior Escola (ig.com.br)
8) Uma entrevista em vídeo com Mark Solms, responsável pela
publicação da nova The Revised Standard Edition da obra
completa psicológica de Freud, além de aclamado psicanalista e
neuropsicólogo. É também professor de Neuropsicologia na
Universidade da Cidade do Cabo, Diretor Científico da
Associação Psicanalítica Americana e Copresidente da
Sociedade Internacional de Neuro psicanálise.
Interview with Dr. Mark Solms on Freud & Surrealism
(thecollector.com)
9) Boris Cyrulnik, neuropsiquiatra e terapeuta residente na França,
fala de seu último livro “Quarenta ladrões em carência afetiva”.
10) Resenha do filme ORLANDO, de Paul Preciado. Procurando
dar um entrecho ficcional a suas convicções em torno da
questão trans, Paul Preciado as articula com o famoso livro
ORLANDO, de Virginia Woolf, cujo personagem muda de sexo
algumas vezes no correr de três séculos. Esse é o gancho que
justificaria mesclar o romance de Woolf, que gira em torno de
seu caso amoroso com a aristocrata Vita Sackelville-West, com
os depoimentos das pessoas trans, que relatam seu sofrimento
e as duras experiências vividas. O resultado é sofrível, talvez
confuso para o expectador comum.