Novembro de 2024 – Vol. 29 – Nº 11
Viajando pela Internet encontrei um pequeno artigo e uma entrevista do Professor Thomas Wood Jr. Suas colocações instigantes merecem consideração e debates por nossos leitores.
Editor
O fim do artigo científico
Por Thomas Wood Jr.
“Um pilar da ciência transformou-se em zumbi à espera de um verdugo que abrevie sua agonia e da troca por algo melhor.”
Um teste para o leitor: quais destes títulos correspondem a artigos verdadeiros?
1.Desenvolvendo redes ativas usando algoritmos randomizado:
2.Representação (sic) com projeto de trabalho em terceirização: uma visão semiótica.
3. As dinâmicas de intersubjetividade e os imperativos monológicos em Dick e Jane: um estudo sobre modos de gêneros trans relacionais;
4. Atalhos e jornadas interiores: construindo identidades portáteis para carreiras contemporâneas.
Parabéns a quem respondeu 2 e 4. O artigo 2 foi publicado em MIS Quaterly, um dos principais periódicos de Gestão de Informação; e o 4 saiu na prestigiosa revista Administrative Sciece Quaterly. Os demais são falsos. O título 1 foi obra de um software por estudantes do MIT, que gera artigos completos, totalmente falsos e absurdos; e o 3 foi retirado de um cartoon de Calvi, no qual o personagem, depois de cria-lo exclama: “Academia, aqui vou eu!”
De fato, não falta ironia contra a linguagem adotada em textos científicos. Alguns parecem ter sido criados para achados menores e intimidar leitores com uma linguagem empolada e turva.
Ocorre que o artigo científico é um dos pilares de desenvolvimento da ciência> Antes de seu surgimento, os resultados de experimentos e novos conhecimentos eram informados em apresentações e por meio de cartas. O artigo científico facilitou a comunicação e acelerou a evolução do conhecimento.
Hoje, o sistema de publicações científicas compreende milhares de revistas e está estruturado em castas. Grandes grupos editoriais estão por detrás do lucrativo negócio. No topo encontram-se os periódicos mais seletivos e reputados. Publicar nesses veículos requer passar pelo duro escrutínio de exigentes avaliadores. Provê status e reconhecimento dos pares. Facilita o acesso a financiamentos e pode acelerar a carreira acadêmica.
Nos últimos anos, o sistema passou a ser criticado. As universidades preocupadas com rankings e sob pressão para justificar gastos, passaram a pressionar pesquisadores a publicar mais. Muitos deles mudaram de rumo: em ugar de gerar novo conhecimento passaram a orientar seus esforços para gerar mais publicações.
Assim, o foco na ciência foi trocado pelo foco dos indicadores de desempenho e na própria carreira. Do outro lado do balcão, a própria comunidade científica multiplicou o número de periódicos, ampliando o espaço para textos de qualidade duvidosa.
Mesmo no topo, a situação é preocupante. Textos científicos de eras anteriores eram menos especializados e formais. Eram também mais curtos e diretos. E não havia ainda o fetiche da estatística. A superespecialização da ciência tornou os artigos mais longos, herméticos e cheios de jargão.
O modelo tornou-se anacrônico e precisa de reformas. Artigos científicos deveriam ser mais simples de escrever e mais rápidos de ler. A forma deveria ceder espaço ao conteúdo. Escapar da forma papel (ou pdf) é o primeiro passo. Em seu lugar, poderíamos ter módulos de conhecimento, curtos e objetivos, especializados e rigorosos, porém atraentes e interessantes.
Este sucedâneo deveria se distanciar do hermetismo estatístico tanto quanto das caudalosas digressões textuais. Hiperlinks e recursos interativo poderiam prover acesso direto a bases de dados, textos de apoio, imagens, simulações e outros recursos de interesse dos leitores.
Entretanto, mudar somente a forma não é suficiente. Em muitos campos a superespecialização levou a fragmentação, com a multiplicação de pequenos grupos de pesquisa orientados por interesses próprios e pouco dispostos a esforços cooperativos. É preciso reverter essa tendência e fomentar pesquisa em torno de temas aglutinadores convergentes com as necessidades e demandas da sociedade.
Recentemente editor do periódico Academy of Management Journal, um dos principais do campo da Administração, exortou a comunidade científica a orientar esforços de pesquisa na busca de soluções para problemas críticos que afetam o planeta: pobreza, desigualdade, crise ambiental e muitos outros. Não há escassez de problemas e não temos um planeta de reserva. A ciência deveria fazer mais.
Publicado em Triple Helix Brasil em 16.10.2018
Em entrevista, Thomaz Wood Júnior fala sobre “mentalidade mercantilista” no mundo acadêmico
20/06/2017
Por :
Paulo Hebmüller (Revista Adusp)
Professor titular da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e colunista da revista Carta Capital, Thomaz Wood Júnior foi um dos participantes do debate “Produtivismo acadêmico: origens e atualidade” (realizado em 3/11/16 no auditório da História, por iniciativa da Adusp), tendo como parceiro de mesa o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física da USP. Nesta entrevista, Wood Júnior compara o sistema produtivista a uma linha de montagem industrial, com metas quantitativas e indicadores de desempenho. O professor da FGV avalia que as universidades brasileiras estão cada vez mais dominadas pelas imposições do produtivismo acadêmico, que, como define um de seus artigos, pode ser entendido como “um sistema voltado para a produção científica em massa” e “um tipo de mentalidade ou comportamento orientado para o aumento quantitativo da produção científica, em detrimento da qualidade e relevância”. Em outro texto, Wood Júnior associa o produtivismo ao taylorismo, apontando consequências dramáticas para a produção científica: “Novas gerações de pesquisadores, mestrandos e doutorandos são socializadas segundo os costumes descritos e dão mais importância a publicações e suas recompensas, sejam simbólicas, sejam pecuniárias, e menos aten- ção ao conhecimento gerado e sua aplicação em benefício da sociedade. Perdem os abnegados e altruístas, que deveriam modelar a cultura acadêmica. Ganham os burocratas e mercantilistas, encaminhadores da ciência para mares desconhecidos”.
Revista Adusp. Quais seriam as principais características desse sistema e as principais consequências na rotina dos docentes e das instituições?
Wood Júnior. O sistema que foi criado, guardadas as proporções, é similar a uma linha de montagem industrial, com metas quantitativas e indicadores de desempenho. Ele parece estruturado e “científico”, mas é anacrônico. É como se essa linha de montagem estivesse, a todo vapor, fabricando carburadores, um produto obsoleto, que não tem mais uso. Então, tem-se um bem precioso, formado pela elite intelectual e cultural do país, desperdi- çando recursos (sempre escassos) para fabricar algo sem utilidade. E a produção segue para estoque, nas revistas científicas que se multiplicaram, e que ninguém lê. Dentro dessas fábricas, o que se vê é lamentável: orientadores/as pressionam seus orientandos/as a escrever artigos, os quais assinam, mesmo sem ter contribuição substantiva. Trabalhos de pesquisa são fragmentados de forma a aumentar o número de publicações: a chamada ciência salame. Pesquisadores/as ficam obsecados por publicar, e passam a discutir estratégias e buscar atalhos, alguns eticamente condenáveis. E o que é pior: está se instalando uma mentalidade mercantilista, o que vale são os pontos e metas que permitem ascensão na carreira e, em alguns casos, maiores ganhos.
Revista Adusp. Quais seriam as particularidades do caso brasileiro em relação ao cenário internacional?
Wood Júnior. Posso falar do campo da Administração, que é relativamente novo, porém já grande e com grande vitalidade. Nos Estados Unidos, onde o campo é mais desenvolvido, a academia se isolou em uma torre de marfim, pesquisando prioritariamente para ela mesma. Só ascende na carreira quem consegue publicar em periódicos de alto nível, geralmente acessíveis somente a especialistas. Para uma ciência aplicada, isso é muito estranho. Presidentes da Academy of Management, o principal colegiado científico do país, já denunciaram esse estado das coisas. E existe muita discussão e diversas iniciativas para mudar, para tornar o campo mais relevante para a sociedade e as organizações. Isso não significa atrelar as instituições de ensino aos interesses de empresas privadas, mas tornar as instituições um agente mais ativo e responsá- vel, capaz de trazer contribuições para a sociedade. No Reino Unido, por outro lado, existe uma iniciativa muito forte para orientar os sistemas de avaliação das universidades pela mensuração do chamado impacto social do conhecimento. Ou seja, procura-se medir, e assim induzir, pesquisas que respondam a questões sociais relevantes, tais como mobilidade urbana, competitividade, inovação, sustentabilidade, desigualdade etc. É um grande laboratório, a ser observado. Outros países têm se engajado em maior ou menor grau nesse movimento. Parece ser uma grande transição, com muitos atritos, divergências e ainda pouca clareza sobre o que virá a seguir. O Brasil, no campo científico da Administração, parece seguir com atraso os desenvolvimentos internacionais. Curiosamente, segue mais os maus exemplos do que as tendências mais novas.
Revista Adusp. Como enquadrar em parâmetros quantitativos semelhantes áreas do conhecimento tão distintas como, digamos, Letras, Engenharia Elétrica e Biomedicina?
Wood Júnior. Sabe-se que é necessário criar algumas “réguas” comuns, mas não há uma receita simples e fácil. Se o sistema caminha para a padronização, reclamase que as áreas têm peculiaridades que precisam ser reconhecidas. Se o sistema caminha para a diversidade, reclama-se que algumas áreas são privilegiadas. Penso que estamos todos aprendendo com acertos e erros. Diante dessa complexidade, arrisco afirmar que é possível definir alguns direcionadores e parâmetros comuns, que podem servir a diferentes campos, e complementar em cada campo com parâmetros e direcionadores mais específicos. Existe também uma tríade de conceitos que pode ajudar: direção, ação e resultado. Direção é o norte que um sistema define. Por exemplo, uma faculdade de Administração pode definir que deseja contribuir, com novos conhecimentos e modelos, para a melhoria da gestão pública, em transporte e educação. Para isso, essa mesma faculdade, coletivamente, define algumas ações, relacionadas a fomentar grupos de estudos, seminários e publicações. Com o tempo, surgem resultados, na forma de publicações científicas e, também, na forma de contribui- ções para políticas públicas, artigos na mídia e participação em grupos de trabalho governamentais. Aí entra a avaliação, que poderá prover uma indicação de quanto a contribuição pretendida está sendo atingida, e assim ajudar o próprio sistema a se redirecionar. Em suma, a avaliação não funciona sozinha em um sistema de gestão. Ela precisa estar alinhada com um sentido coletivo de direção, e de ações convergentes com essa direção. A avaliação é o que vai informar se estamos atingimos o que propusemos, se estamos no caminho certo.
Revista Adusp. Há algum indicador positivo no cenário?
Wood Júnior. O que vejo, hoje, com esperança, são as iniciativas de fazer pesquisa aplicada, aquela que parte de um problema ou questão real e procura gerar um benefício social. No caso da Administração, são problemas reais. Por exemplo: o comportamento predatório de algumas empresas em relação ao meio ambiente, a baixa competitividade das empresas exportadoras brasileiras, ou a baixa qualidade dos serviços de saúde. Colegas que se envolvem com essas questões estabelecem um verdadeiro compromisso de uso do conhecimento existente para endereçar questões relevantes, e geram novos conhecimentos, junto com a contribuição prática. Deixam a torre de marfim e se integram com comunidades e com diversos grupos. Isso não é simples, porque há sempre questões de conflito de interesse. Entretanto, é enfrentando as dificuldades e os paradoxos que se amadurece. Enfim, acredito que precisamos dar menos atenção para metas, indicadores e avaliações e prestar mais atenção no mundo ao redor, suas necessidades, e como podemos nos engajar e ajudar. Isso é especialmente importante nas instituições de ponta, que podem sinalizar os novos caminhos para as demais.
Esta entrevista foi originalmente publicada na Revista Adusp.